A responsabilidade civil de profissionais liberais — como médicos, dentistas, engenheiros, advogados, entre outros — é tema de grande relevância tanto no campo jurídico quanto nas relações sociais cotidianas. Embora inseridos no contexto das relações de consumo, estes profissionais são regidos por uma sistemática própria de responsabilização, que merece atenção e clareza.
Responsabilidade Civil Subjetiva dos Profissionais Liberais
Nos contratos de prestação de serviços realizados por profissionais liberais, incide a regra do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC): a responsabilidade do profissional será subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa. Este entendimento constitui exceção à regra geral da responsabilidade objetiva que prevalece nas relações de consumo, na qual basta a demonstração do dano e do nexo causal.
Portanto, cabe ao consumidor que se sentir lesado demonstrar, além do dano e do nexo de causalidade, a conduta culposa do profissional, seja ela por ação ou omissão.
Este foi o entendimento aplicado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível n.º 5016744-06.2012.8.21.0001, em que se analisou a atuação de um cirurgião-dentista. Na ocasião, a Corte ressaltou que:
“A responsabilidade do profissional dentista deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade subjetiva de acordo com o preconizado pelo art. 186 do CC/02 c/c art. 14, § 4º do CDC.”
Naquele caso, a ausência de comprovação de culpa afastou a possibilidade de condenação, resultando na manutenção da sentença de improcedência.
A Obrigação de Resultado em Serviços Estéticos
Importante destacar, entretanto, que em alguns casos específicos, embora a responsabilidade permaneça subjetiva, existe a presunção de culpa, especialmente em procedimentos com finalidade exclusivamente estética, como é o caso de muitas cirurgias plásticas.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n.º 5029511-42.2013.8.21.0001, analisou uma ação movida contra médica cirurgiã plástica pela alegada má prestação de serviço na implantação de próteses de silicone. A decisão pontuou que:
“A cirurgia plástica de natureza estética faz surgir a obrigação de resultado. A responsabilidade civil continua sendo subjetiva, mas com presunção de culpa do médico, a quem cabe fazer prova de que o resultado considerado inadequado decorreu de fator imponderável.”
Como no caso concreto a perícia atestou que o procedimento foi corretamente realizado e não houve falha técnica, afastou-se o dever de indenizar.
A Responsabilidade das Clínicas e dos Estabelecimentos de Saúde
Outro aspecto relevante é a responsabilidade dos estabelecimentos que integram a cadeia de fornecimento do serviço, como clínicas médicas, odontológicas ou hospitais. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidada no julgamento do Recurso Especial n.º 2.067.675/RS, reafirma a aplicação da responsabilidade objetiva e solidária das clínicas, sempre que houver falha na prestação do serviço.
No caso analisado, uma clínica odontológica e um laboratório de próteses foram responsabilizados objetivamente por falhas estruturais em uma prótese dentária, mesmo que o dentista não tivesse agido com culpa:
“O laboratório de prótese dentária presta serviço eminentemente técnico, mecânico, indiretamente ao paciente e diretamente ao dentista ou à clínica odontológica, respondendo, assim, objetivamente, por eventual dano causado em decorrência de sua própria falha.”
Assim, quando se trata da atuação de terceiros que integram a cadeia de fornecimento — como laboratórios, clínicas e hospitais —, a responsabilidade é regida pelas regras do art. 14, caput, do CDC, sendo, portanto, objetiva e solidária.
A Responsabilidade do Médico por Conduta Negligente
Quando a conduta profissional resulta de uma falha efetivamente demonstrada, caracteriza-se a obrigação de indenizar. Foi o que entendeu o STJ no Recurso Especial n.º 1.698.726/RJ, que tratou de grave erro médico ocorrido durante um parto, resultando em sequelas neurológicas ao recém-nascido.
Na ocasião, o Tribunal reafirmou a necessidade de comprovação de culpa na atuação do médico, e destacou a relevância do preenchimento adequado do prontuário médico como um dos deveres de cuidado essenciais:
“A conduta deliberada do médico em omitir o preenchimento adequado do prontuário revela falta de cuidado e de acompanhamento adequado para com a paciente, descurando-se de deveres que lhe competiam e que, se observados, poderiam conduzir a resultado diverso.”
Confirmada a negligência e o nexo causal, foi reconhecido o dever de indenizar.
Conclusão
A responsabilidade civil dos profissionais liberais está submetida a um regime híbrido, que combina normas do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, exigindo análise criteriosa de cada caso.
Em síntese:
✔️ Profissionais liberais respondem subjetivamente, mediante comprovação de culpa.
✔️ Em serviços de resultado presumido, como cirurgias estéticas, a culpa se presume, cabendo ao profissional demonstrar ausência de falha.
✔️ Clínicas e estabelecimentos respondem objetivamente, integrando a cadeia de fornecimento de serviços.
✔️ A responsabilidade do laboratório ou fornecedor de insumos é objetiva e solidária.
O conhecimento desses aspectos é essencial para consumidores e profissionais, garantindo a correta interpretação dos direitos e deveres que emergem dessas relações.